Encontro do setor hoteleiro aponta quais grandes obstáculos reforma traz para classe trabalhadora
Aos brados de “bom dia, presidente Lula” e “Lula livre!”, a Contracs (Confederação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) deu início na manhã desta terça-feira (22), em Mongaguá ao 3º Encontro Nacional do Setor Hoteleiro.
No primeiro dia das discussões que seguem até quinta-feira (24), dirigentes sindicais das regiões Norte, Nordeste e Sudeste debateram o impacto da reforma trabalhista sobre as negociações coletivas e quais caminhos para superá-los.
Na mesa de abertura, o coordenador do setor hoteleiro da Contracs, Antônio Carlos, apontou que o golpe mirou a ex-presidenta Dilma Rousseff para acertar os direitos trabalhistas. Um processo que ainda não terminou. “Não querem só manter Lula preso, mas esfacelar os movimentos sindical e sociais E não é só no Brasil”, disse.
A observação encontrou eco na intervenção da diretora do Solidarity Center Jana Silvermann, que tratou de recente decisão da Suprema Corte Norte-Americana sobre demandas dos trabalhadores na Justiça. “Quem não for sindicalizado não pode mais entrar com ação coletiva, só individual, o que aumenta muito o custo do processo, porque nos EUA não tem gratuidade como havia aqui. Além disso, vivemos nos EUA um momento em que hoteleiros e trabalhadores de cassino em Las Vegas farão assembleia para votar greve e podem parar uma cidade inteira. Os trabalhadores não têm pátria, tem classe, e devemos seguir unidos nessa luta contra retrocessos”, defendeu.
Para o secretário de Relações Internacionais da Contracs, Eliezer Pedrosa, é necessário que a resistência da classe trabalhadora se imponha antes que os ataques a direitos trabalhistas sejam exportados.
“A reforma trabalhista foi adotada pelo Banco Mundial e servirá de modelo ao mundo, como pudemos observar nessa questão judicial dos EUA relatada pela companheira Jana. A menos que possamos nos unir”, afirmou.
Cláusulas sociais na mira
Técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Victor Pagani apresentou levantamento que indica a conquista de ganhos reais em 63% das negociações, um índice que reverte dois anos marcados por grave recessão econômica.
A preocupação, porém, fica para 2018, com o cenário que se desenha após a reforma trabalhista, já que os sindicatos patronais e empresas estão exigindo que os trabalhadores abram mão de cláusulas sociais.
“Os metalúrgicos da Mercedes Benz estão em greve há cinco dias porque a empresa quer dar abono, que não é incorporado ao salário, e quer tirar cláusula que garante estabilidade para acidentado e auxílio-doença durante afastamento. Os professores da rede privada também farão greve a partir do dia 23 porque querem tirar cláusulas como a que dá bolsa de estudo a filho de professor e garante estabilidade de um ano aos contratados”, pontuou.
Perfil da elevação
Pagani ressaltou que com a reforma, as empresas têm estimulado a formação de sindicato por empresas, comissões que no futuro possam assinar acordos coletivos independente do sindicato, enfraquecendo unidade da classe trabalhadora.
“Atacaram sindicatos e a Justiça do Trabalho, frentes de resistência em defesa dos direitos trabalhistas, colocando obstáculos para que acessem o Judiciário por meio da imposição de que trabalhador derrotado pague advogado da empresa. Por trás de todas essas reformas está o ataque ao papel do Estado e a transformação de direitos sociais em mercadorias que estarão disponíveis para quem puder comprar. Sucateiam o SUS (Serviço Único de Saúde) para vender planos privados, por exemplo, e diminuem o acesso à Previdência par beneficiar os bancos e fundos de investimento que vendem planos de Previdência privada”, criticou.
Migalhas no emprego, vergonha nos salários
Victor Pagani apontou ainda dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que mostram o salto da taxa de desocupados de 7,2%, em 2014, para 13,1%, em 2018. Na contramão, porém, os setores de comércio e serviços geraram, respectivamente, 40.087 e 36.945 postos.
Mas é a remuneração dessas vagas que precisa ser analisada com maior cuidado. Entre todos os segmentos salariais, o único que registrou saldo positivo foi o do grupo que recebe até 1,5 salários mínimos. Todos os demais tiveram retrocesso (veja ao lado).
Uma situação que pode se agravar ainda, conforme o próprio Ministério do Trabalho que aponta o crescimento do número de trabalhadores contratados no formato intermitente (4.002 vagas) e em tempo parcial (6.851 trabalhadores).
Volta à base
Consultor jurídico da Contracs, Vinicius Cascone, apontou a reforma trabalhista como uma guinada rumo à China, de salário baixos e jornadas exploradoras.
Uma das críticas foi quanto ao trabalho intermitente, aquele em que o trabalhador recebe só quando for chamado, situação que compromete a renda no final do mês e a economia do país. A lógica alegada à reforma, de redução de processos, é uma falácia, segundo ele.
“Muito se falou que o Brasil era campeão em ações trabalhistas, mas talvez porque empregador é campeão de descumprimento de lei, já que 40% das ações eram por não pagamento de verbas rescisórias. Com a reforma, se o empregado faz uma série de pedidos e se perde um, esse valor, acrescido aos honorários, é descontado do valor a receber pelo trabalhador. Se é beneficiados por justiça gratuita, não tem de pagar”, falou.
A retirada da homologação, segundo ele, também tem efeito direto na carta branca para o empregador explorar ao máximo. “Sem homologação do sindicato, o trabalhador discute o pagamento direto com o com o empregador e não há assistência para receber a rescisão. Além disso, esse funcionário deixa de ir ao sindicato e passar condições das quais a organização sindical não tem conhecimento. Muitas vezes, o patrão ameaça quem está empregado e o sindicato só teria esse momento para pressionar e resolver questões.”
A lógica de acordos individuais é uma lógica que atinge o lado mais fraco. “A ideia é de acordos individuais que reforçam a lógica de que um sempre está concorrendo com outro que não marca horas extras, não exige direitos, come em menos tempo. Antes, as empresas eram obrigadas a sentar e discutir com sindicatos questões e regras válidas para todos”, exemplificou.
Como enfrentar –Para Cascone, os sindicatos precisam fazer pente fino nas empresas para questionar tudo o que está em descumprimento com legislação. A lei não alterou questões como a obrigatoriedade de provar a necessidade de trabalho ininterrupto e jornada aos domingos
Ele sugere ainda que as organizações sindicais façam campanha ampla na categoria. “Tem de dizer para o trabalhador não assinar nada sem a presença do sindicato, apontar que ele tem esse direito. A lei não impede isso, usar dirigente e advogado no acompanhamento de rescisões.”