Durante encontro do setor hoteleiro promovido pela Contracs, trabalhadoras e trabalhadores apontaram a exploração promovida no setor
No país que é quarto colocado no ranking mundial de acidentes de trabalho, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), com quase 579 mil casos (os dados mais atualizados são de 2016), a rotina dos trabalhadores do setor hoteleiro deixa rastros de dores e lesões.
Durante a abertura do segundo dia do 3º Encontro Nacional do Setor Hoteleiro, o assessor da Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) Ruy de Freitas apontou a realidade do segmento muito vez invisível aos olhos da maior parte da população.
Segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social, entre 2011 e 2013 (dados mais recentes apurados pela confederação), o número de acidentes no local de trabalho em segmentos do setor hoteleiro girou em torno dos 13.500. Em 2013, foram 14.444. Pior, outros 3.934 sequer foram comunicados às autoridades, muitas vezes, por conta da pressão do empregador que pode ter de pagar mais impostos para estabelecimentos de alta acidentalidade.
Sobre esse último aspecto, Freitas destacou a importância de os sindicatos aprimorarem a relação com as bases para que as CATs (comunicação de acidente de trabalho) sejam sempre registradas.
“Esse procedimento é fundamental para dar uma ideia das condições de trabalho que as categorias enfrentam. Tanto o empregador quanto o sindicato ou o trabalhador podem abrir, mas não podem deixar de fazê-lo, porque se aumentam os acidentes, aumenta também a contribuição do patrão ao FAP (fundo acidentário previdenciário), o que obrigará o empresário a investir na qualidade de vida de seu empregado”, explicou.
Para isso, ressaltou, é fundamental que os sindicatos estejam na base. “As organizações sindicais, mais do que nunca, precisam ser referência e jamais abrir mão de se apresentar no local de trabalho para que o trabalhador as vejam como referência de apoio e segurança.”
Aspectos precarizantes
País com grande apelo turístico, o Brasil ainda não aprendeu a tratar tão bem os que estão dentro quanto aqueles que chegam de fora. Para os trabalhadores, as jornadas intensivas, com camareiras que fazem em oito horas o que deveriam fazer em 12 horas, ainda são uma realidade.
Enfrentam ainda pressão psicológica, assédio moral e sexual, ameaças de perder o emprego e a aplicação de advertências sem motivo pertinente pelo simples fato de não alcançar as metas diárias de limpeza.
Durante o encontro e ao longo das sete oficinas regionais que a Contracs promoveu desde 2016 para mapear o perfil das camareiras, foi possível ouvir histórias de quem, muitas vezes, abandona o jantar para atender clientes, convive com câmeras de segurança que invadem privacidade sob a argumentação de evitar roubos, convive com doenças como lombalgia e LER (lesão por esforço repetitivo) e acaba por ser vítima da depressão pelo convívio social e lazer inexistentes.
Os questionários aplicados identificaram doenças como hérnia na coluna, nas mãos, bursites, tendinites, inflamação nos nervos, dores lombares, doenças relacionadas aos pés como esporão, dentro outras, resultado das metas abusivas de limpeza em hotéis e resorts de grande e médio porte. E a multifunções em locais de pequeno porte.
Para as lideranças sindicais, fica o desafio de ter acesso ao local de trabalho para promover a luta e conscientização das trabalhadoras e trabalhadores, como apontaram o coordenador do setor hoteleiro da Contracs, Antônio Carlos Filho, e o secretário de Relações Internacionais da entidade, Eliezer Pedrosa.
EUA x Brasil
Diretora do Solidarity Center Jana Silvermann comparou as características do trabalho de camareira no Brasil e nos Estados Unidos. Lá, como cá, há muitas mulheres, no caso dos EUA, imigrantes, que também convivem com salários baixos.
O setor de comércio e serviços emprega 80% da população estadunidense com mais de 16 anos e também tem consolidado o subemprego, com 7 milhões nessa situação. Foi de lá que o governo brasileiro importou o trabalho intermitente.
A pátria do neoliberalismo é aquela com menor nível de sindicalização se comparada aos demais 20 países mais ricos do mundo e só 11% de sindicalizados, a menor nesse grupo.
Não por acaso. A sindicalização não é por categoria, mas por local de trabalho, e o processo de fundação de um sindicato encontra muitos obstáculos. É necessário convencer 30% dos trabalhadores para assinar cartões dizendo que querem a organização sindical. Esses cartões são encaminhados a cortes de trabalho e em seis meses tem de ter eleição, nas quais 50% mais um dos trabalhadores da base devem votar a favor.
O problema é que entre o envio de cartões e a eleição muitas vezes se passam até seis meses, tempo em que as empresas atuam com terrorismo contra os trabalhadores amparadas por escritórios de advocacia especialistas em ação antissindical e que estão abrindo filiais no Brasil.
Diante desse cenário espinhoso, Jana explica que os sindicatos precisam se organizar em campanhas amplas para gerar um fluxo de filiação. “Sindicato sem base não pode fazer grandes ações coletivas, pressionar patrões e uma grande base gera conquistas que, consequentemente, atraem mais filiados. A questão não pode ser apenas econômica, sindicato forte transforma consciência de trabalhadores e muda termos do conflito capital e trabalho. Como uma classe trabalhadora mais esclarecida e ativa Dilma ainda seria presidenta”, aposta.
Para ela, é preciso realizar pesquisas estratégicas para que o sindicato refine sua forma de atuação. “É preciso entender as tendências econômicas do setor, quais são os acionistas principais da empresa, se é capital aberto ou fechado, planos de investimento, ligação de acionistas principais com outras empresas para montar campanhas de enfrentamento mais efetivas. Vocês têm ótimas ferramentas que podem ser utilizadas como o Instituto Observatório e o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).”
Segundo Jana, o trabalho de base precisa ser renovado. “Vamos à casa dos trabalhadores à noite quando empresários não nos deixam entrar, criamos grupos de comunicação direta e programas de formação com atenção à creche para que mães possam participar. O corpo a corpo não pode ser substituído por whatsapp e as oficinas para as bases são mais importantes para o dirigente ouvir do que falar”, define.
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