Para técnico do Dieese, novas regras do mercado de trabalho não incluem os sindicatos e exigem que lideranças repensem estratégia a partir do trabalhador
Caso fosse possível imaginar o Brasil como uma partida de futebol e o movimento sindical como um time, seria possível dizer que, neste momento, os donos dos meios de produção, além de vencerem a partida, estão eliminando as organizações sindicais. E trabalham arduamente para que nunca mais possam disputar qualquer campeonato.
Para piorar, a metáfora utilizada pelo diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese) Clemente Ganz Lucio, ao contrário do que se possa imaginar, não refere-se apenas ao momento que o Brasil vive sob a batuta de Jair Bolsonaro. Mas trata da reformulação do modelo de produção em todo o planeta.
“Os novos donos das empresas querem muito retorno em prazo curto. A empresa que existia até a 3ª revolução industrial, da qual os dirigentes sindicais são fruto, está desaparecendo. Hoje temos máquinas que aprendem e custam menos do que um trabalhador, um processo que não se resume à indústria, mas inclui todos os setores econômicos. Inclusive comércios e serviços, cada vez mais automatizados”, pontuou.
Convidado para falar sobre a construção de um projeto político-organizativo frente à conjuntura sindical atual, Clemente ressaltou que a reforma trabalhista é parte de u processo de adaptação desenhado pelos empresários para receber essa nova era, em que a classe trabalhadora é descartável.
Por isso, traz retrocessos como flexibilizar normas de saúde e segurança, um modelo de carta de trabalho verde e amarela que mantém apenas 13º e um terço das férias, direitos constitucionais, utilização do FGTS para custear o seguro-desemprego e, trabalho intermitente.
Neste mundo, mantido o atual padrão, dois terços da força de trabalho será flexível, avalia, com autônomos, pessoas jurídicas e trabalhadores intermitentes e parciais ocupando o lugar das formas clássicas de contratação.
Na estrutura sindical, organizações fragmentadas sindicatos por empresa e sindicalistas pressionados a venderem direitos em troca da garantia de manutenção à frente do sindicato, que atenderá justamente o 1/3 de privilegiados, servidores com uma alta remuneração.
O papel da Previdência seria garantir meio salário mínimo, o restante seria resultado da capitalização, que complementaria o mínimo. A questão é: os sindicatos vão topar esse cenário?
“Se não topamos, vamos começar a nos mexer, porque é o que está em votação. Esse congresso da Contracs tem de olhar para este mundo que se forma e imaginar uma resposta dos trabalhadores para enfrenta-lo. Senão não serve para nada. Acredito que neste momento não estamos preparados para dá-la e, por isso, mais importante do que o presidente é o programa de formação que o sindicato fará”, avalia.
Novos dirigentes, novas utopias
Para o técnico do Dieese, os sindicatos só sobreviverão se forem uma expressão dos trabalhadores. Os jovens que estão criando este novo mundo precisam estar dentro das organizações sindicais.
“Se este mundo não vier para dentro do sindicato, as entidades não saberão o que fazer. Temos que montar uma agenda que faça sentido para eles que estão construindo a mudança, incluir sua pauta e aprender a ouvir, como querem organizar os horários de trabalho, como desejam organizar a proteção trabalhista. O dirigente que não estiver preparado para esta transformação, deve sair. Não há mais espaço para quem atua como dono de uma entidade sindical”, afirma Clemente
Ele defende ainda que as mudanças tecnológicas devem ser resignificadas e para isso é necessário o resgate do que deveria nortear toda luta, a utopia.
“Não podemos deixar apenas para a empresa a decisão de como fazer as mudanças tecnológicas, temos que colocar essas transformações a serviço da geração de empregos. Se na reforma trabalhista o acordo passa a valer mais do que a lei, vamos nos preparar pra que essas mudanças só ocorram após muita negociação”, indica ele, para quem essa é uma batalha de longo prazo
“É uma disputa para duas, três décadas, mas se não colocarmos no centro do debate, teremos 20 milhões de desempregados que devem ser prioridade na agenda sindical. Hoje há 75 milhões de brasileiros que trabalham e não tem proteção sindical. Isso exige uma gestão política capaz de criar unidade de trabalhadores para fazer o enfrentamento que falei. Nossa utopia é que tecnologia venha para melhorar as condições de vida, que aumente a riqueza para ser distribuído para todos, com a diminuição da jornada. É hora de apresentar um sonho”, definiu.
Acomodação
Representante do PT-DF e ex-dirigente nacional da CUT Jacy Afonso também fez críticas à falta de ousadia do movimento sindical para mudar a estrutura que hoje se volta contra os próprios sindicatos. Segundo ele, houve oportunidade de modificar o modelo nos governo de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart e, principalmente, de Lula e Dilma.
“O novo sindicalismo tinha vontade de renovar, inspirava renovação e a CUT nasceu para este novo sindicalismo. A Constituição de 1988 assegurou direitos, mas não de organização, a organização sindical continuou sob controle Ministério do Trabalho. Assim com continuou o imposto sindical, que desejámos substituir por uma contribuição negocial definida em assembleia. O problema é que o Judiciário passou a limitar esses acordos coletivos que deveriam funcionar como num condomínio, em que os moradores votam as regras que valem para todo o edifício”, explicou.
A tendência para o futuro, acredita, é de fusões e, como Clemente Ganz Lúcio, Jacy também reforça a necessidade de investir na formação e na aproximação às bases.
“Vamos passar por uma fusão de sindicatos, é impossível a quantidade de sedes e organizações sobreviverem nas atuais condições. E na fusão teremos de reaprender a dialogar com as pessoas”, disse.