Escrito por: Paloma Santos
Em 25 de julho de 1992, há exatos 30 anos, acontecia em Santo Domingo, na República Dominicana, o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas. Objetivo era apresentar dados da violência contra a população negra, principalmente contra mulheres, que desde sempre são as que mais sofrem com os impactos do machismo e racismo.
Com isso, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. No Brasil, a data ganhou significado ainda maior. Em 2014, foi instituído, a partir da Lei nº 12.987, que a data também marcaria o Dia Nacional de Tereza de Benguela, símbolo da resistência negra, que durante o século 18 foi líder do quilombo Quariterê e reuniu comunidades negras e indígenas na resistência contra a escravidão.
Segundo dados da Fundação Cultural Palmares, com a morte de seu companheiro, José Piolho, Teresa se tornou a rainha do Quilombo Quariterê e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena lutou contra a escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho, Capitão-General e Governador da Capitania de Mato Grosso na época.
Diante da importância da luta das pautas das mulheres pretas, julho tornou-se um mês repleto de atividades alusivas que resgatam a história e ressaltam a força dessas mulheres. Mais que uma data comemorativa, é também oportunidade para debater pautas específicas de acordo com as vivências femininas em cada um desses países e traçar estratégias de enfrentamento às dificuldades e desafios impostos.
Considerando o racismo que estrutura a sociedade brasileira, pessoas negras enfrentam dificuldades reconhecidamente maiores em comparação a pessoas brancas. Nos dias atuais, as mulheres negras ainda são as principais vítimas do feminicídio, da negligência, das violências doméstica e obstétrica e da mortalidade materna, além de estar na base da pirâmide socioeconômica do país.
Reféns da violência e invisibilidade, essa triste realidade é refletida nos números e os retratos da desigualdade de raça e de gênero podem ser evidenciados pelas estatísticas. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 1.341 mulheres vítimas de feminicídio em 2021, 62% eram negras. Já nas demais mortes violentas intencionais, 70,7% são negras e apenas 28,6% são brancas.
No mercado de trabalho, por exemplo, um desafio ainda maior é a representatividade, sendo que pretos e pretas são minorias nas equipes de organizações e empresas. E no quesito educação também não é diferente. Pesquisa do IBGE mostrou que apenas 10% das mulheres pretas ou pardas completam o ensino superior, o que dificulta o acesso a melhores condições de trabalho e remuneração, tornando-as mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos.
Não há dúvidas de que é essencial e urgente enfrentarmos os desafios impostos, fortalecer a existência das pessoas pretas na sociedade e colocar fim à invisibilidade e o silenciamento das narrativas negras.
Celebrarmos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é olhar para nossa própria potência e para tudo o que desenvolvemos até aqui, mas com a certeza de que ainda há um longo caminho pela frente.
Somos a maioria da população brasileira e precisamos nos reconhecer e nos pertencer como tal. No Brasil, somos 58 milhões de mulheres negras, urbanas, quilombolas e rurais, orgulhosas de nossa ancestralidade e de nossas tradições.
A atual conjuntura é preocupante e o momento pede ainda mais unidade e resistência. Vivemos um período em que os ataques aos direitos são visíveis e mulheres negras estão na base da pirâmide dos que mais sofrem com os retrocessos. Precisamos reforçar e celebrar os avanços conquistados, mas precisamos reafirmar nossa disposição de luta pela derrota do racismo e combate a qualquer estratégia de invisibilidade de nossa atuação.
Que a determinação e resistência de Tereza de Benguela oriente nossas bandeiras e que não apenas as mulheres negras, mas todas e todos tenham acesso à educação, ao trabalho, a uma aposentadoria digna e, principalmente, que a população brasileira possa viver num país que respeite a diversidade.
*Paloma Santos é secretária de Políticas para Promoção da Igualdade Racial da Contracs-CUT