Além dos assédios, os presentes apontaram outros problemas, como a proibição da participação dos sindicatos nas negociações, troca de negociações coletivas por individuais, jornada exaustiva, trabalho
O abuso sofrido pelos trabalhadores e trabalhadoras da rede de restaurantes McDonald’s foi o ponto principal de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), no Senado Federal, nesta segunda (8). A iniciativa teve como objetivo discutir a Sugestão 12/2018, que Institui o Estatuto do Trabalho e regulamenta os Arts. 7º a 11 da Constituição Federal.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras no Ramo de Comércio e Serviços da CUT (Contracs) e a Service Employees Internacional (SEIU), junto a outras entidades representativas, denunciaram o desrespeito aos direitos e os inúmeros casos de assédio sofridos por funcionários da multinacional, por falta, entre outros fatores, de uma legislação que proteja a categoria.
O debate contou com a participação de inúmeras vítimas que, presentes e emocionadas, expuseram toda a violência sexual, racial e de gênero que sofreram.
O relator da matéria, senador Paulo Paim (PT-RS), recolheu as informações e se comprometeu em apresenta-las ao Ministério Público do Trabalho, à Defensoria Pública e aos órgãos de fiscalização do trabalho, além de inserir um capítulo especial sobre o assunto na SUG 12.
“São fatos alarmantes que não podemos aceitar. Vamos encaminhar essas denúncias às autoridades competentes, cobrar respostas e usar essas informações na construção do nosso relatório”, garantiu o senador.
Além dos assédios, os presentes apontaram outros problemas, como a proibição da participação dos sindicatos nas negociações, troca de negociações coletivas por individuais, jornada exaustiva, trabalho degradante, inclusive com risco à saúde dos funcionários que eram obrigados a comer comida vencida, como relatado.
O presidente da Contracs, Julimar Roberto, parabenizou os ex-funcionários pela coragem de denunciar e relembrou ainda da constante luta encabeçada pela entidade e o SEIU a fim de levar informação e formação aos trabalhadores.
“É uma vergonha mundial para o Mcdonald’s e demais empresas que descumprem a legislação trabalhista e objetificam seus funcionários. A chave para evitarmos tantas atitude criminosas é a informação. Precisamos também reforçar nossos canais de denúncia e, principalmente, organizar a categoria para a luta contra a retirada de diretos e os retrocessos instaurados. Não podemos aceitar que tratem homens e mulheres com tanta desumanidade”, pontuou.
Julimar conclui esclarecendo que o trabalho em fast food, na maioria das vezes, é a primeira oportunidade de emprego desses jovens trabalhadores, que veem a chance de ingressar no mercado de trabalho e ajudar no sustento de suas famílias. Entretanto, ele ressalta que é fundamental atuar para garantir um ambiente seguro, digno e saudável.
“Precisamos agir conjuntamente com governos e conclamar empresas para assegurar que esses jovens possam aprender em um ambiente seguro e saudável.”
Já o secretário Geral da Contracs, Valeir Ertle, disse que, infelizmente, o Senado não cumpriu seu papel de ser um órgão revisor para melhorar a situação desses trabalhadores, referindo-se à aprovação da reforma trabalhista.
“Assédio moral e sexual, racismo, homofobia, tudo isso acontece no Mcdonald’s. São situações que não podemos admitir de forma alguma. Vamos travar uma luta junto ao próximo governo para garantir uma legislação que seja benéfica para todos trabalhadores em fast-food”, defendeu.
Rafael Guerra, consultor sindical, coordenador da campanha “Sem Direitos não é Legal”, e representante da Service Employees Internacional (SEIU), explicou que as denúncias de assédio moral registradas em unidades de fast food ao redor do Brasil são semelhantes em muitos aspectos.
“É importante que esses jovens trabalhadores conheçam seus direitos, saibam identificar atitudes de assédio, racismo e homofobia e, principalmente, se sintam seguros em denunciar essas práticas.
Casos denunciados
ACSR falou de casos de assédio sexual que sofreu de um gerente e de assédio moral, por parte de uma ex-gerente da lanchonete. Emocionada, a jovem disse que comentou o assunto publicamente pela primeira vez na audiência da CDH e que, apesar de ter relatado os fatos às instâncias competentes da empresa à época, teve negado o direito de ajuda.
“Ele tocava no meu cabelo, passava a mão no meu corpo e me chamava de gostosa. Hoje estou bem por estar trabalhando em outra área, mas não foi nada fácil chegar até aqui”, declarou.
O ex-funcionário WC foi alvo de racismo. Sua gerente insinuou que ele teria roubado sua caneta e ordenou a outro funcionário que revistasse seus pertences.
“Naquele momento, perdi o chão. Me senti humilhado. Mas a gente não pode simplesmente abandonar o serviço, eu tenho família. Tive apenas que me recompor e voltar ao trabalho”, disse.
WC relatou ainda que a gerente tentou comprá-lo com lanches para que ele não denunciasse o fato. Mas essa não havia sido a primeira vez.
“Quando comecei na rede, fui fazer a limpeza da fritadeira e deixei cair bastante óleo no chão. Quando fui fazer a limpeza, a gerente me fez largar o esfregão, me ajoelhar e limpar o óleo quente do chão com um pano. Além do risco de me queimar, me senti muito diminuído”, relatou.
A advogada do Sindicato Internacional de Empregados de Serviço (Seiu), dos Estados Unidos, Mary Joyce Carlson, disse que muitos trabalhadores deixam de se manifestar por serem jovens. A maioria está entre 14 e 19 anos.
Também falou da necessidade de se buscar apoio para a ações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pressionar as empresas brasileiras a atender as leis trabalhistas. A debatedora observou também que, de acordo com as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos os trabalhadores têm direito a um ambiente de trabalho salutar e seguro.
Silêncio do McDonald’s
Representantes do McDonald’s foram convidados, mas não compareceram à audiência pública. No entanto, a representante que opera a marca no Brasil, Arcos Dourados, enviou uma carta à comissão, que foi lida pelo senador Paulo Paim. Na mensagem, ela declara que a rede segue “rígido código de conduta”. Que toda reclamação de funcionários é anônima e “devidamente registrada” e, quando as denúncias são comprovadas ao final dos processos, medidas punitivas são aplicadas. A empresa disse ainda que a entidade jurídica representativa do setor de fast food seria a plataforma mais adequada para o tratamento do tema.
Em 7 de setembro, a União Europeia fará uma reunião global sobre os abusos sofridos pelos trabalhadores de fast food, com a presença de representantes brasileiros.