sábado, outubro 5, 2024

Os imbroxáveis da nação

Leia também

Precisamos identificar quais eleitores buscaram uma terceira via ou os que se absteram do direito do voto e a esses despender o nosso precioso tempo e retórica

Eu estava pensando que o mínimo que se espera de um presidente da República é que ele tome decisões baseado nos impactos – a curto, médio e longo prazo – que suas escolhas causarão ao país. Estudos, opiniões de especialistas, observação de experiências similares, margens de risco e planos de contingência devem ser sempre considerados para se construir as estratégias administrativas e políticas que conduzirão a nação à prosperidade. Ao menos, é assim que deveria ser.

Mas no Brasil de Bolsonaro, os resultados catastróficos advindos de suas canetadas Bic comprovam que as coisas são bem diferentes do alto da rampa do Planalto ou do outro lado do cercadinho do Alvorada. Eu fico imaginando que, entre fatias de pão com leite condensado – que o presidente garantiu custar R$ 162 cada uma das 2,5 milhões de latas compradas por ele em 2020, totalizando R$ 15 milhões só desse produto –, o clã Bolsonaro parece tirar no “palitinho” a sorte dos quase 213 milhões de brasileiros, dos quais 40 milhões estão na miséria e outros 10 milhões não conseguem um posto de trabalho.

“Mas a economia está melhorando!”, defendeu o motorista do Uber, me tirando do transe em que me encontrava. E, como se me interessasse, começou a me contar que ficou um tempo sem poder fazer suas corridas por conta do preço da gasolina. Também comentou que até 2016 trabalhava como engenheiro agrônomo, profissão que escolheu e pôde cursar graças ao ProUni – programa de incentivo à educação superior criado por Lula -, mas que Deus tinha mudado sua sorte.

Segundo ele, o Brasil estava melhorando. “Não deixaram Bolsonaro trabalhar nesse primeiro mandato. O STF o impedia de fazer qualquer coisa. Mas agora, tudo vai ser diferente”, esperançava enquanto ignorava a quantidade de pedintes que surgiam quando os semáforos fechavam.

Enquanto o ouvia, me perguntava se nós dois enxergávamos o mesmo Brasil. Ou vivíamos em realidades paralelas onde, ele imerso numa Matrix, consumia uma realidade ilusória que só existia dentro da bolha que o aprisionava e que ele se esforçava tanto para fortalecer. Era quase que uma simbiose, a farsa de um país próspero e bem administrado dependia dele para existir, assim como ele dependia de toda essa ilusão.

Enquanto a viagem seguia, o motorista não parava de falar e dizia do quanto o futuro prometia. Em meio a essa esperada prosperidade, ele planejava reformar sua casa – adquirida através do Minha Casa, Minha Vida – para depois comprar um outro carro. Quem sabe, sobraria um dinheirinho até para o seguro. Porque, como ele mesmo afirmou, “as ruas estão cheias de bandidos, mas quem livra é Deus”. Chegou a contar que queria ter uma arma, mas ainda não havia dado para comprar. Quem sabe no ano que vem, se Deus quisesse, ele compraria. Afinal, Bolsonaro seria reeleito.

Nesse ponto, eu perdi a paciência! Disse que o Brasil não aguentaria mais 4 anos do desgoverno Bolsonaro. Que o sigilo que ele impôs às suas movimentações eram prova de que ele tinha muito a esconder. Que era um completo absurdo a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo para que ninguém rastreasse a procedência dessa fortuna porque, com certeza, do salário dele é que não tinha saído. Falei dos cortes dos recursos da educação, da saúde e de outras áreas essenciais, e como esse dinheiro, que deveria ser usado para atender à população, foi parar no bolso dos parlamentares através do tal orçamento secreto que está custeando a campanha milionária dele.

Agora, era eu que não parava mais de falar! Falei do atraso nas compras de vacinas, levando embora 700 mil vidas, porque ele não se importava com o povo brasileiro e estava dando um jeito de sair lucrando com a compra desses insumos. Disse da relação do clã Bolsonaro com milicianos e na interferência escandalosa nas direções da Polícia Federal e outros órgãos de segurança para impedir a investigação dos crimes de seus filhos e também dos dele.

Nesse momento, eu parei para respirar, levantei os olhos e o vi me encarando pelo retrovisor. O semblante ávido de antes tinha sido substituído por uma carranca e eu pude sentir verdadeiros raios de ira que me atingiam através do espelho. Cheguei a sentir um arrepio de medo me subindo pela coluna.

Ficamos calados no restante do percurso. Pelo menos eu sabia que ele não estava armado, o que me tranquilizou um pouco.

Desci no local de destino e o vi sumir na esquina, acelerando o carro de forma intimidadora.

Mas essa conversa serviu para tirar o véu que eu trazia nos olhos e cheguei a me envergonhar de minha ingenuidade. Só ali eu concluí que o eleitor de Bolsonaro, que enche o peito para dizer que Lula é ladrão, não está se importando com isso. Se Lula roubou ou não, não representa absolutamente nada para essa camada da nossa sociedade que buscava um líder, um mito, que fortalecesse e incentivasse o discurso de ódio pelas minorias, de machismo, racismo e toda forma de subjugação e desprezo às demais vidas humanas. É gente que odeia preto, odeia índio, que prega a submissão feminina e anseia por uma seleção natural, da qual tinha certeza de sobreviver, dada a sua superioridade.

Não é questão de desinformação, mas de identificação. Esses são os imbroxáveis do Brasil! E não há discurso bem elaborado que os atinja. São verdadeiros casos perdidos.

Mas mesmo sendo muitos e barulhentos, eles são minoria e não merecem nossos esforços. Precisamos, sim, identificar quais eleitores buscaram uma terceira via ou os que se absteram do direito do voto e a esses despender o nosso precioso tempo e retórica.

Nada de bater boca ou ceder às provocações, pois não precisamos disso. Afinal, temos argumentos que evidenciam as conquistas do governo Lula e, mais ainda, enfatizam e comprovam o fracasso da gestão incompetente de Bolsonaro.

E o que irá acontecer com os imbroxáveis após a vitória eminente de Lula? Espero que se recolham e fiquem bem contidos, assim como estavam até as eleições de 2018, quando ainda nem desconfiávamos da existência de tanta gente reacionária no país.

Quem sabe, com o passar do tempo, seus corações se aquebrantem e eles possam compreender que o Brasil é de todos. Que fazer justiça social é igualar as oportunidades, que enquanto houver privilégios, existirão as injustiças, e que, principalmente, é contra isso que lutamos.

Escrito por: Julimar Roberto

spot_img

Últimas notícias