É direito garantido das mulheres. Se elas trabalham em um domingo, o próximo deverá ser, obrigatoriamente, de descanso remunerado. É a chamada escala 1×1, prevista no artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde sua promulgação, em 1943. No entanto é comum – e ilegal – empresas explorarem a mão de obra feminina, sem cumprir com esse direito. Por um lado, grande parte das mulheres desconhece esse direito. E por outro, as empresas simplesmente omitem a informação.
Com o intuito de conscientizar as mulheres sobre seus direitos trabalhistas, o Instituto Lavoro, com apoio da CUT e sindicatos, promove a partir desta sexta-feira, 10 de novembro, a campanha “#NãoMexaComOMeuDomingo”. A ação será feita por meio da divulgação de cards e vídeos no Facebook e no Instagram do Instituto Lavoro.
A proposta é que o maior número possível de mulheres trabalhadores, sejam as lideranças sindicais, sejam as trabalhadoras em geral, participem da campanha de forma a dar visibilidade ao assunto, que tem ganhado destaque nos debates trabalhistas e na sociedade nos últimos tempos.
Ao Portal da CUT a advogada especialista em Direito do Trabalho, Camila Cândida, do escritório LBS Advogadas e Advogados, explicou que o mote da campanha é que as “trabalhadoras tenham ciência da lei e consciência de que têm que fazer valer o direito”.
‘Estamos falando de proteção às mulheres. Infelizmente não há creches aos domingos e nenhum apoio para as demandas dos cuidados, que sabemos, recaem sobre as mulheres, em sua grande maioria”, diz a advogada.
Ela reforça que este foi o ponto de partida, inclusive para um recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) para reafirmar a constitucionalidade do artigo 386. (Veja mais abaixo)
“Um dos argumentos do STF foi de que desde de 1943 não houve grandes avanços à economia do cuidado, ficando tudo ainda a cargo da mulher. Se a mulher trabalhadora precisa fazer jornada aos domingos, esse direito fica garantido por meio de medida afirmativa, ou seja, assegurar o descanso obrigatório”, ela diz.
A economia do cuidado como ponto de partida da campanha
Camila Cândido reforçou que os trabalhos de cuidado, aqueles em que se tem atenção e assistência especial a idoso, crianças, pessoas com deficiências, entre outras situações, são exercidos, em sua grande maioria, pelas mulheres. Por isso, garantir que a lei seja cumprida para se possa minimamente estabelecer uam condição de equidade na sociedade, é fundamental.
“É uam regra que trata da saúde da mulher, que historicamente, exerce dupla e até tripla jornada”, ela diz.
O tema tem ganhado destaque, inclusive pela escolha do tema da redação do Enem deste ano – “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” -, que propunha reflexões sobre esta realidade.
O Enem fez um grande favor de jogar luz sobe o tema. Acabamos decidindo a campanha, na verdade, antes da prova, sem saber que seria tema da redação. Foi uma coincidência feliz. O assunto está em alta porque a economia do cuidado é invisibilizada e exercida, de fato, por mulheres, na maioria dos casos
Campanha em ação
A advogada explica que os materiais a serem utilizados na campanha estão disponíveis no site institutolavoro.org.br. a partir do dia 10.
Nele serão disponibilizados os links para cards e filtros para redes sociais. No entanto a campanha também contará com a gravação e vídeos de todas aquelas que participarem e se dispuserem a dar seus depoimentos.
Além disso, foi criado um grupo especial no WhatsApp para compartilhamento do material. Para entrar no grupo, acesse o QRcode abaixo ou acesse aqui para entrar com link
Clique aqui para o folder da campanha
Meu direito está sendo violado
A maioria dos casos observados de violação o direito em questão está no comércio. As grandes varejistas, por exemplo. Mas não é só. Há casos nos setores atacadista, comércio em geral, telemarketing, prestação de serviços, entre outros. Camila Cândido cita até mesmo as frentistas de postos de combustível, as jornalistas, e trabalhadores em bares e restaurantes, que segundo ela, são as trabalhadoras mais expostas.
Ao ter seu direito violado, ela orienta que as trabalhadoras busquem os sindicatos das categorias. “O ideal é buscar orientação do sindicato. Diante da violação reiterada, deve ser movida uma ação coletiva. Se há uma trabalhadora sendo explorada, é certo que há outros casos. Quanto maior o peso da ação, mais o direito será reconhecido pela Justiça”, diz a especialista.
“As mulheres têm direito a receber horas extras e as folgas não cumpridas em dobro. E isso impacta ainda nas demais verbas e direitos”, ela pontua. E este foi justamente o entendimento do STF na ação que deu origem ao debate sobre ao artigo 386. Veja a seguir.
O entendimento do STF
A ação contestando a constitucionalidade do artigo 386 foi ajuizada pelas lojas Riachuelo. Tratou se de um Recurso Extraordinário que visava reformar uma decisão da ministra Carmen Lucia de 2022, que condenou a rede a pagar horas extras a trabalhadoras só tiravam folgas a cada três domingos.
Para obrigar as funcionárias a trabalhar a mais, a empresa se baseava na Lei 10.101, de 2000, de autoria do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências.
Em sua decisão a ministra Cármen Lúcia havia afirmado que “não é caso de se cogitar que a concessão de condições especiais à mulher ofenderia o princípio da isonomia, tampouco de que a adoção de regras diferenciadas resulte em tratar a mulher indefinidamente como ser inferior em relação aos homens, como alega a parte”.
No dia 1º de setembro de 2023, o Plenário Virtual da Primeira Turma do STF finalizou o julgamento do recurso mantendo o entendimento sobre a constitucionalidade do artigo
A decisão do Supremo Tribunal Federal reforça a noção de que as normas trabalhistas devem ser interpretadas à luz da realidade socioeconômica das trabalhadoras brasileiras, pois não há igualdade entre homens e mulheres no exercício de uma mesma atividade. Nos últimos anos, infelizmente, o que se viu foi o aprofundamento das desigualdades existentes entre homens e mulheres, afirmou a advogada Meilliane Pinheiro Vilar Lima, ao site Milgalhas.
Redação da CUT