Casos de assédio eleitoral, que consistem em coação de patrões e gestores aos trabalhadores e trabalhadoras para que votem em candidatos de sua conveniência, não são exatamente uma novidade. Na história, muito já se ouviu falar sobre o voto de cabresto, prática em que ‘coronéis’ obrigavam a população a votar em determinados candidatos.
O termo ‘voto de cabresto’ é uma analogia a um animal sendo guiado por um cabresto, fazendo com que ele siga o sentido que seu condutor quer. Infelizmente isso ainda é uma prática recorrente em regiões mais carentes do Brasil. Mas não só. No mundo moderno a prática tem tomado outras formas nos mais variados ambientes de trabalho, o que é ilegal e empresas têm sido multadas e os assediadores processados criminalmente. Conheça casos abaixo.
Para que esse tipo de ação não aconteça mais e que haja punição até com prisão a quem tente obrigar o trabalhador a votar em candidatos defendidos pelos patrões que as centrais sindicais CUT, Força Sindical, NCST, UGT, CTB, CSB, Pública e Intersindical, junto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), abriram um canal de denúncias sobre assédio eleitoral nas eleições municipais de 2024.
Com o título “O voto é seu e tem sua identidade”a campanha visa alertar o trabalhador sobre o assédio para que a disputa eleitoral seja justa e embasada na liberdade absoluta de escolha.
A campanha utiliza vídeos, spots de rádio e cards na internet como ferramentas de ação. E mais: para quem quiser denunciar o assediador, de maneira segura e sem se expor, pode fazer isso por um aplicativo de celular e um site específicos para tal.
Uma cartilha sobre o tema também traz todas as informações e orientações sobre a prática para facilitar as denúncias, protegendo os funcionários de empresas privadas, terceirizados e servidores públicos. Outros materiais, como cards e stories para redes sociais podem ser acessados no link Combate ao assedio eleitoral nas relações de trabalho.
Patrões multados após denúncias
Milhares de denúncias reforçam a necessidade de alertar os trabalhadores sobre esse tipo de prática. Desde 2018 casos têm ganhando notoriedade por causa da explosão da polarização política promovida pela extrema direita no país. A fim de tomar o poder e, se perpetuar nele, empresários alinhados a essa ideologia passaram a coagir trabalhadores para que votassem em seus candidatos, em especial, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Alguns casos clássicos denunciados em 2022 foram o da empresa de eletrodomésticos Britânia, em Curitiba (PR), que foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar uma indenização de R$ 50 mil e a reverter a demissão por justa causa de uma trabalhadora que durante home office, postou no X (antigo Twitter) que, fora da empresa, não precisava usar a camiseta com alusão a Jair Bolsonaro (PL).
Na ação, a trabalhadora comprovou que no auge da disputa eleitoral a empresa utilizou meios de comunicação internos para fazer publicidade de seu candidato, Bolsonaro. Além disso, o presidente da empresa, César Buffara, visitava os setores e proferia discursos enaltecendo a sua posição política e criticando a oposição ao então candidato à presidência da República.
Ainda em 2022 e também no Paraná, a Justiça barrou uma ação de empresários ligados ao agronegócio. O diretor-presidente da Cooperativa Agroindustrial Lar, sediada em Medianeira e que tem cerca de 12 mil associados e 24 mil trabalhadores na base, enviava mensagem aos funcionários, via WhatsApp, pedindo votos para Bolsonaro.
O texto da mensagem, enviada por Irineo da Costa Rodrigues em forma de documento, com timbre da empresa, incitava os funcionários a votarem no candidato sob a argumentação de que a direita, representada por Bolsonaro, “cultivava valores” e a esquerda, representada por Lula, iria na direção do “que há de pior”.
Na rede de lojas Havan, outra empresa notória por apoiar Bolsonaro, camisetas-uniforme nas cores verde e amarelo, com frase alusiva à ideologia da extrema direita eram distribuídas para os empregados para serem usadas durante o trabalho.
A rede foi condenada a pagar mais de R$ 85 milhões por intimidar seus trabalhadores e trabalhadoras para que votassem em Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2018. A intimidação não se dava apenas pelo uso da camiseta, mas também por outros meios internos como ‘lives’ de gerentes, ameaçando demissão em massa, caso Bolsonaro não fosse eleito
2024
Até o dia 6 de setembro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já havia recebido 153 denúncias de assédio eleitoral envolvendo tanto empresas como órgãos públicos. Minas Gerais liderava o ranking com 17 casos. Paraná, em segundo lugar, com 15 denúncias e São Paulo, em terceiro, com 10 casos.
Patrões coagem trabalhadores ou ameaçam demitir quem não votar no candidato que eles determinam está cometendo crime eleitoral, previsto na Constituição Federal de 1988. O artigo 5°, parágrafo VIII diz “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.
Já o Artigo 14° reforça que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e polo voto direto e secreto, com valor igual a todos”.
Ou seja, ninguém deve se submeter à ordem ou coação na hora do voto. o assédio eleitoral ou a compra de votos também está descrita como crime em lei pelo artigo 301 do Código Eleitoral.
A legislação prevê pena de até quatro anos de reclusão e pagamento de multa para quem “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido”.
Os patrões também não podem oferecer benefícios ou vantagens a alguém que busca uma vaga ou obrigar um trabalhador a vestir uma camiseta de um candidato. Isto é considerado “abuso do poder diretivo” da empresa.
Nos casos de assédio, o MPT pode instaurar inquérito e investigar a conduta empresarial que viole as liberdades dos trabalhadores. Se constatada a ilegalidade, a empresa poderá ser condenada por danos morais individuais ou coletivos, além de ser obrigada a cessar imediatamente a prática.
O responsável pelo assédio também poderá ser punido – chefe ou patrão – inclusive criminalmente.
Mais sobre a prática do assédio eleitoral
O assédio eleitoral se caracteriza como a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento associados a determinado pleito eleitoral, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho.
O assédio pode ser praticado:
- Pelo empregador, representantes ou prepostos das empresas, bem como dirigentes de órgãos públicos.
- Entre colegas de trabalho
- Pelos trabalhadores e trabalhadoras em relação a seus superiores.
- Por terceiros, como tomadores de serviço e clientes.
Alguns exemplos de assédio eleitoral:
- Prometer benefício ou ameaçar de prejuízo no contrato de trabalho em razão do resultado das eleições.
- Proferir comentários depreciativos ou realizar atos que causem humilhação ou discriminação de trabalhadores que apoiam candidatos ou candidatas diferentes do defendido(a) pelo assediador ou assediadora.
- Entregar material de propaganda eleitoral aos trabalhadores e trabalhadoras ou expor propaganda eleitoral nos locais de trabalho, ou descanso.
- Impor/obrigar o uso de uniforme, vestimentas, bonés, botons alusivos à determinada campanha eleitoral ou candidato(a);
- Ameaçar trabalhadores e trabalhadoras de serem dispensados caso determinada ou determinado candidato ganhe, ou perca as eleições.
- Ameaçar o fechamento da empresa em função dos resultados das eleições.
- Ameaçar cortes de pessoal ou mudança na forma de trabalho.
- Prometer a concessão de qualquer benefício ou vantagem vinculada ao voto, à orientação política e à manifestação eleitoral.
Por: CUT Brasil
Foto: MPT