Em uma decisão que reacende o debate sobre direitos reprodutivos no Brasil, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (27) a PEC 164/2012. A proposta, que recebeu 35 votos favoráveis e 15 contrários, elimina todas as permissões legais para aborto, mesmo em casos de estupro, risco de vida da gestante ou anencefalia fetal, considerados essenciais para proteger a saúde e dignidade das mulheres.
A medida representa um retrocesso grave, colocando em risco direitos adquiridos e ignorando os impactos sobre a vida das mulheres, especialmente das mais vulneráveis. Caso aprovada em definitivo, a PEC alterará o artigo 5º da Constituição para estabelecer a inviolabilidade da vida “desde a concepção”, invalidando direitos garantidos por décadas de lutas sociais e avanços legais.
“Essa PEC é uma atrocidade. Se pensarmos que a maioria das mulheres estupradas, cerca de 60%, são de jovens até 13 anos que muitas delas engravidam, o projeto de emenda obriga uma menina, uma criança, a ser mãe. Isso é uma violência”, afirmou a Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Gomes Corcino.
Silenciamento e repressão
A sessão foi marcada por protestos de grupos feministas, que gritaram frases como “criança não é mãe e estuprador não é pai”, mas foram rapidamente reprimidos. Sob ordem da presidente da CCJ, deputada Caroline De Toni (PL-SC), a Polícia Legislativa expulsou manifestantes do plenário. Na sequência, a entrada de visitantes foi proibida, incluindo a circulação de jornalistas, o que gerou críticas sobre a falta de transparência do processo.
“Querem uma reunião secreta, na qual nem a imprensa pode entrar. Querem esconder o quê?”, questionou a deputada Erika Kokay (PT-DF).
A postura da presidência da comissão evidenciou o clima de autoritarismo e cerceamento do debate, um reflexo preocupante para temas que impactam diretamente a vida de milhões de brasileiras.
Direitos ignorados
Especialistas e parlamentares críticos à proposta apontam para as graves consequências da PEC. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) classificou a medida como uma sentença de sofrimento para mulheres que já enfrentam situações de extrema vulnerabilidade. “Essa PEC condena mulheres e crianças vítimas de violência sexual a serem mães à força. Além disso, impede que gestantes com risco de morte optem por salvar suas próprias vidas”, afirmou.
O deputado Bacelar (PV-BA), em voto separado, destacou que a PEC ataca diretamente os direitos fundamentais garantidos pela Constituição. “A proposta ignora o impacto devastador de uma gestação forçada sobre a vida da mulher. É uma afronta aos princípios de dignidade humana e igualdade”, argumentou.
Retrocesso histórico
Para a deputada Lídice da Mata (PSB-BA), o texto não apenas viola direitos, mas também reflete um retrocesso em relação a legislações anteriores. “O Código Penal de 1940 já mostrava mais sensibilidade às dores das mulheres do que esta Casa demonstra hoje. Impor uma gestação a vítimas de estupro ou a mulheres com deficiência é uma falta de misericórdia incompreensível”, criticou.
A PEC também contraria recomendações de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que reconhecem o aborto legal em determinadas circunstâncias como uma questão de saúde pública e direitos humanos.
Um futuro incerto
Com a aprovação na CCJ, a PEC será avaliada por uma comissão especial, que terá até 40 sessões para emitir um parecer sobre seu mérito. Se aprovada, a proposta seguirá para o plenário da Câmara, onde precisará de 308 votos em dois turnos para avançar.
Embora defendida por parlamentares conservadores, a PEC representa mais do que uma mudança constitucional. É um ataque direto aos direitos reprodutivos e à autonomia das mulheres brasileiras. Sua tramitação deve intensificar ainda mais os debates ideológicos no Congresso e mobilizar movimentos sociais em defesa das liberdades individuais e da saúde pública.
A aprovação na CCJ é um alerta preocupante sobre o caminho que o país pode seguir: o de retroceder décadas de conquistas legais e ignorar o sofrimento de milhares de mulheres, especialmente das mais vulneráveis, para atender a agendas políticas conservadoras.
“A gente sabe que o aborto vai continuar acontecendo, independentemente da lei. As mulheres que têm mais condições financeiras e poder de decisão vão conseguir acesso a um aborto seguro e legal, como já acontece. Mas as mulheres mais pobres, especialmente as negras, vão continuar sendo forçadas a buscar métodos clandestinos, com condições precárias e colocando suas vidas em risco. E, infelizmente, muitas vão morrer por isso. Esse é o cenário. Por isso, precisamos mobilizar as mulheres da CUT para denunciar essa situação e buscar parcerias com outros movimentos de mulheres da sociedade civil. Só assim vamos ter força para barrar a aprovação dessa PEC no plenário”, alerta Amanda Gomes Corcino.
Fonte: Redação CUT