Por Julimar Roberto*
Nesta semana, o Brasil passou a acompanhar um dos julgamentos mais importantes, talvez o mais importante, da história de nosso país. Pela primeira vez, um ex-presidente da República e parte de sua cúpula militar e política estão diante da Suprema Corte, acusados de tentar um golpe de Estado contra o próprio povo brasileiro. Não é apenas um processo jurídico; é um acerto de contas com a história, um momento em que a democracia olha para si mesma e decide se vai se permitir ser forte ou continuar refém da impunidade.
O relatório da Polícia Federal, com 884 páginas, não deixa dúvidas sobre a gravidade das acusações: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça às instituições, deterioração de patrimônio público. Os nomes no banco dos réus não são quaisquer: Jair Bolsonaro, seus ex-ministros generais, um ex-ministro da Justiça, um ex-diretor da Abin e até seu ajudante de ordens. Todos envolvidos em um enredo golpista que já deixou marcas profundas em nossa sociedade.
O que vimos até agora, na primeira semana, foram defesas frágeis, inconsistentes e, em alguns casos, até contraditórias. Muitos réus tentaram se desvincular de Bolsonaro, como se reconhecessem implicitamente que ele era o chefe da organização criminosa. A tentativa de negar o golpe ou reduzi-lo a tanques nas ruas caiu por terra diante das provas documentais e dos próprios depoimentos de comandantes militares, que confirmaram a conspiração.
Esse julgamento tem caráter pedagógico. É um passo que o Brasil não deu em 1985, ao encerrar a ditadura sem punir torturadores e golpistas. Após 40 anos, estamos diante de uma nova chance. Não podemos repetir o erro da anistia, que só alimentou novas tentativas de ruptura. Como lembrou Dilma Rousseff, “a história será implacável com os que hoje se julgam vencedores”. A impunidade tem um preço alto – e estamos pagando até hoje.
Por isso, é extremamente grave a tentativa da extrema direita no Congresso de aprovar uma nova anistia ou flexibilizar a lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Isso seria, nada mais nada menos, do que dar continuidade ao próprio 8 de janeiro. É casuísmo, é afronta à Constituição e é traição ao povo brasileiro.
A verdade é que esse julgamento expõe o que sempre tentaram esconder, os privilégios históricos de uma elite que nunca se viu obrigada a prestar contas. O Brasil pune negros e pobres com rigor, mas fecha os olhos para crimes cometidos por generais, empresários e políticos poderosos. Romper com essa tradição é condição para que possamos, enfim, construir uma democracia de fato, inclusiva e plural.
Sei que ainda há muitos interesses tentando manipular o debate, seja na imprensa que relativiza o autoritarismo, seja em políticos que sonham com indultos futuros. Mas acredito que a sociedade brasileira está atenta. Pesquisas já mostram que a maioria rejeita a anistia e entende que sem justiça não há futuro.
Na próxima terça-feira, dia 9, o Supremo retoma esse julgamento histórico. Estaremos acompanhando com esperança, mas também com a consciência de que este é um daqueles momentos em que um país pode escolher se render ao medo ou avançar na construção de uma democracia soberana, justa e verdadeiramente popular.
Eu sei de que lado estou. E você?
* Julimar é comerciário e presidente da Contracs-CUT