Por Julimar Roberto*
Há momentos na história em que deixar de agir não é apenas omissão, mas sim uma sentença. A COP 30, realizada em Belém do Pará, não é mais um encontro diplomático, é o último alerta antes de ultrapassarmos irreversivelmente o limite de 1,5ºC. É o planeta falando pela boca da floresta. E, como podemos afirmar, “não há neutralidade possível num mundo que queima”.
Pela primeira vez, a Conferência do Clima acontece no coração da Amazônia, e isso muda tudo. Não apenas por suas imagens, cores, povos e sons, mas porque Belém obriga o mundo a olhar para a floresta não como um tema técnico, mas como uma urgência humana, social e civilizatória. “Se a Amazônia cai, caímos todos” — e não é força de expressão.
Absurdamente, o que está em jogo não é o futuro, e sim o presente. O mundo chega à COP 30 vivendo múltiplas crises sobrepostas, como a crise hídrica que transforma cidades inteiras em desertos temporários; queimadas que escurecem o céu de meio país; desmatamento que arranca a vida do solo e empurra animais para a extinção; e uma exploração neoliberal que transforma água, floresta e gente em ‘ativos’. Tudo numa lógica que somente visa o lucro desenfreado e confunde destruição com desenvolvimento.
No Brasil, tivemos exemplos de que a política, quando capturada por negacionistas e rentistas, se torna arma. Uma arma contra rios, contra florestas, contra vidas. O planeta não está sendo ameaçado por forças invisíveis, mas por decisões muito concretas, como os subsídios ao petróleo, a desregulamentação ambiental, a captura de agências de fiscalização, cortes em ciência. Não existe colapso natural — existe colapso político.
A COP 30 é marcada por debates que, enfim, encaram aquilo que a ciência e os povos da floresta vêm alertando há décadas. O encontro assume de forma inédita que não há mais espaço para meias-medidas. Faz-se urgente decretar o fim da era dos combustíveis fósseis, avançar rumo ao desmatamento zero e garantir uma proteção real para a Amazônia. Ao mesmo tempo, cresce a pressão para que a justiça climática deixe de ser slogan e se transforme em prática, com os países ricos pagando o que devem ao planeta e às populações mais vulneráveis. Os direitos dos povos indígenas, antes tratados como apêndice das negociações, tornam-se eixo central de qualquer solução verdadeira, assim como a construção de uma transição energética justa, capaz de reduzir desigualdades em vez de ampliá-las.
Não se trata apenas de uma mensagem clara, mas de um ultimato – ou mudamos agora, ou não haverá outra chance.
Por outro lado, a COP 30 apesenta um Brasil que voltou a ser protagonista. Sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o país recuperou liderança diplomática, autoridade moral e credibilidade ambiental. A pré-COP reuniu chefes de Estado, reforçou o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre e abriu caminho para novos acordos.
Mas nada marcou tanto quanto as cenas da grande marcha indígena com centenas de corpos pintados, faixas erguidas e um grito comum — “não se come dinheiro”. Essa frase, repetida milhões de vezes ao redor do mundo, é o resumo filosófico do evento. É o que as elites econômicas se recusam a compreender desde sempre.
Outro símbolo poderoso foi a flotilha Yaku Mama, que navegou 3 mil km pelos rios amazônicos até Belém. Um ato de resistência, espiritualidade e política. Os povos originários não foram convidados, foram protagonistas.
Enquanto isso, a ausência dos EUA — comandados por um governo que despreza ciência, direitos humanos e responsabilidades internacionais — escancarou a falência moral das potências que mais poluíram o planeta. A contradição é gritante. Enquanto o Brasil amplia proteção e lança alianças por combustíveis sustentáveis, o gigante norte-americano vira as costas para o clima.
Mas afinal, quem deve fazer mais, com mais rapidez e arcando com a maior parte do custo da transição? Essa pergunta expõe a tensão entre três grupos fundamentais que são os países ricos, responsáveis históricos pela crise climática; os países emergentes, que ainda enfrentam desafios profundos de desenvolvimento; e os países vulneráveis, que pouco contribuíram para o problema, mas sofrem seus impactos de forma desproporcional. É esse enfrentamento que dá forma ao debate sobre justiça climática, o eixo que molda todas as outras discussões. Afinal, não existe transição justa se ela repete as injustiças do passado, e a COP 30 evidencia justamente isso, que a crise climática não é apenas sobre carbono, é sobre desigualdade.
A crise ecológica é também uma crise democrática. A destruição ambiental é uma decisão política. O desmatamento aumenta quando a democracia enfraquece. As queimadas crescem quando a fiscalização é desmontada. A crise hídrica se agrava quando privatizam água como se fosse mercadoria. O avanço das mineradoras é consequência direta de governos que tratam territórios como colônias.
Por isso, a COP 30 não é apenas sobre metas climáticas, mas sobre resgatar a política das garras do autoritarismo e do neoliberalismo extrativista. A Amazônia falou. Os povos indígenas falaram. A ciência falou. A juventude falou. E Belém ecoou para o planeta. Resta saber se o mundo vai ouvir.
O que está em jogo não é salvar a natureza — é salvar a nossa própria capacidade de viver nela. Trata-se de uma verdade simples, mas poderosa. Não existe planeta B, não existe Amazônia reserva, não existe segunda chance. Ou mudamos agora, ou o fim já chegou.
* Julimar é comerciário e presidente da Contracs-CUT

