O avanço de projetos eólicos e solares no Nordeste, marcado por denúncias de violações de direitos humanos, impactos ambientais e precarização do trabalho, foi tema central do debate “As energias renováveis e seus impactos nos territórios: o caso Serra do Mel”, realizado nesta quinta-feira (13) na COP30. A atividade, promovida pela CUT Brasil em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES), o Inesc e outras organizações, aprofundou críticas a um modelo considerado neocolonial, no qual grandes corporações transnacionais expandem empreendimentos sem regulação adequada e com prejuízos diretos para trabalhadores e comunidades.
Representantes de sindicatos, universidades, organizações de pesquisa e entidades internacionais alertaram que, embora classificadas como “limpas”, as energias renováveis estão sendo implantadas sob uma lógica de exploração que aprofunda desigualdades e sacrifica territórios vulnerabilizados. O estudo de caso de Serra do Mel (RN), apresentado no debate, demonstrou que empresas como a francesa Voltalia vêm adotando práticas como o fracionamento de projetos para evitar licenciamento ambiental adequado e reduzir obrigações socioambientais, ao mesmo tempo em que deixam baixíssimo retorno econômico para as comunidades locais.
Transição energética ou “processo neocolonial”?
A Secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, abriu o debate situando a transição energética no contexto de uma crise global do capitalismo, atravessada por dimensões políticas, econômicas, culturais e ambientais. Segundo ela, o Brasil está no centro da disputa internacional por seus recursos naturais, o que exige maior articulação do movimento sindical.
Jandira destacou que o país reúne uma combinação de riquezas raras e estratégicas. “Vento, especialmente na região Nordeste, nós temos sol, nós temos minerais, água e um território imenso de riquezas”, disse a dirigente ressaltando que o fato, naturalmente, desperta a cobiça de corporações globais. Para ela, porém, o processo em curso está longe de ser justo
O que está ocorrendo no Brasil não é uma transição justa, mas um processo neocolonial. Precisamos perguntar se vivemos uma transição energética ou se estamos presenciando os negócios do clima
Ela ressaltou que os impactos sociais recaem sobre territórios classificados como receptores de energia “dita limpa, mas em processos sujos e injustos”, e lembrou que essa é uma “luta do Sul Global diante de processos totalmente vinculados à acumulação do capital”.
Regulação, articulação e enfrentamento: lições de Serra do Mel
Jandyra Uehara defendeu maior unidade e organização nos territórios afetados, citando a articulação construída em Serra do Mel, onde sindicatos, movimentos sociais e mandatos parlamentares formaram uma “operativa” de enfrentamento aos abusos empresariais. Ela afirmou que as denúncias apresentadas no Congresso Estadual da CUT/RN foram chocantes.
A CUT já levou as denúncias sobre a Voltália para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e para a Confederação Geral do Trabalho, a CGT francesa.
Ela também ressaltou a importância de fortalecer a luta pela regulação e citou o projeto de lei do deputado Fernando Mineiro (PT-RN), que estabelece salvaguardas socioambientais para energias renováveis. Segundo ela, o parlamentar vem sendo “muito atacado pelos lobistas” do setor.
Fragmentação de projetos, violações e perda de direitos sociais
O advogado Felipe Vasconcelos, do escritório LBS Advogadas e Advogados detalhou como a Voltalia fracionou 40 projetos em Serra do Mel para escapar de licenciamento robusto, permitindo a instalação de torres a 200 metros das casas, enquanto na França a própria empresa respeita distâncias de até 3 km.
Ele apresentou dados do SUS que revelam aumento de transtorno de ansiedade, distúrbios do sono, perda auditiva e sintomas associados à chamada “síndrome da turbina eólica”.
Secretário de Administração e Finanças da CUT-RN, Jocelino Dantas Batista, no debate afirmou que “os contratos de arrendamento são a base de toda essa confusão”. Segundo ele, acordos abusivos que cedem 100% da terra por 50 anos fazem trabalhadores perderem o status de ‘segurado especial’, retirando acesso a benefícios da Previdência rural e crédito do Pronaf.
A economista Patrícia Pelatiere, do Dieese lembrou que a narrativa do desenvolvimento é ilusória. “90% da população de Serra do Mel está no CadÚnico e 60% recebe Bolsa Família”, disse.
O advogado Antônio Megale, também do escritório LBS, confirmou que foi ajuizada Ação Civil Pública exigindo estudo de impacto ambiental corretivo, revisão dos contratos e criação de um fundo de reparação gerido pela comunidade.
Durante o deabte foi apresentado o estudo “Um modelo de transição energética | O caso das usinas eólicas em Serra do Mel, Rio Grande do Norte“, que expõe as graves violações de direitos humanos e os impactos socioambientais provocados pela multinacional francesa Voltalia S/A em Serra do Mel (RN), onde 36 empreendimentos eólicos foram instalados após o fracionamento artificial dos projetos para escapar do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O estudo da CUT aponta danos à saúde da população, com sintomas associados à Síndrome da Turbina Eólica, prejuízos ambientais, queda da produção agropecuária, inexistência de empregos formais e contratos abusivos que retiram direitos de agricultores familiares. Diante do quadro, a comunidade se organizou e ingressou com uma ação civil pública para exigir reparação dos danos, revisão contratual e uma transição energética justa e transparente.
Modelo de transição injusto atinge agricultores, pescadores e territórios: pesquisadores expõem violações
Durante o debate, especialistas convidados aprofundaram a análise estrutural da transição energética. A representante da FES, Mariana Blanco, do México, afirmou que o modelo implementado na América Latina tem “características de colonização”, com empresas que “se apoderam de territórios, compram terras, recursos naturais, água, praias, florestas”. Ela alertou que camponeses e populações rurais perdem trabalho e são empurrados para economias precarizadas, inclusive prostituição, enquanto grupos criminosos e militares passam a disputar terras para mineração de lítio e cobre.
Para Esteliano Neto diretor executivo da CUT, que atua no setor elétrico, afirmou que a transição imposta virou um negócio financeiro. “Virou banco, virou rentabilidade, virou um projeto financista.”
Ele lembrou que em 2023 o Brasil ainda consumia 86% de energia hidráulica, o que não justificaria a pressa atual, segundo ele motivada pelo lucro. O resultado é o aumento de acidentes fatais e condições de trabalho que se aproximam de situações “análogas à escravidão”.
Financiamento regressivo e falta de estratégia
O engenheiro Cássio Carvalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) criticou a ausência de diretrizes nacionais e a captura dos ganhos do setor. “A renda do petróleo está servindo para pagar dividendo de acionista e dívida pública”, disse.
Ele destacou ainda que a expansão das renováveis é bancada pela tarifa dos consumidores e por subsídios públicos.
Zonas de sacrifício: Caatinga e litoral ameaçados
A pesquisadora Moema Hofstaetter, do Movimento de Atingidos por Renováveis (MAR), denunciou que o Nordeste está se tornando uma “zona de sacrifício” para atender à demanda energética global. A Caatinga, responsável por quase 50% da absorção bruta de carbono do Brasil em 2022, vem sendo desmatada para projetos solares.
Pescadora artesanal Rita Decásia relatou o impacto dos projetos offshore na costa do Nordeste. “Nossa sobrevivência vai se acabar. A pesca artesanal vai se acabar.” Segundo ela, as torres no mar parecem “uma cerca” que desorienta pescadores e altera rotas migratórias.
Fonte: Redação CUT


