São 49 milhões de brasileiras que enfrentam diariamente dificuldades causadas pela desigualdade de raça e de gênero
As mulheres negras representam 25% da população brasileira. Isso significa, 49 milhões de mulheres que diariamente enfrentam a desigualdade de raça e de gênero e muitas vezes têm que lidar com o racismo e o sexismo ainda tão presentes em nossa sociedade. A violência doméstica, o racismo institucional, o difícil acesso à saúde e aos serviços públicos, a violência e genocídio dos jovens brasileiros são algumas das muitas dificuldades enfrentadas por essas mulheres que devido as regras sociais dificilmente assumem espaços de poder.
Em seu estudo sobre a mulher negra, a professora de ciências sociais da Universidade Federal de Londrina, Maria Nilza da Silva, defende que a atual situação da mulher negra no Brasil manifesta um prolongamento da realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças. “Ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega desvantagens no sistema injusto e racista do país”.
Para Maria Nilza, a pobreza e a marginalidade a quais são submetidas as mulheres negras reforçam o preconceito e a condição de inferioridade, provocando assim uma inibição e receio de luta contra a discriminação sofrida. “O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, esse horizonte não é absoluto. Mesmo com toda essa barbárie do racismo há muitas mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional”.
A questão de gênero é um complicador que quando somado à raça, significa maiores dificuldades em um país como o Brasil. Além de comprovar a competência profissional, as mulheres negras têm que lidar com o preconceito e a discriminação racial que exigem maiores esforços para conquistar o ideal pretendido. Dados do IBGE revelam que, a desigualdade no mercado de trabalho é muito grande para essa parcela da população.
Em nosso país, 49,6% dos negros e pardos trabalham informalmente enquanto os brancos representam 36%. As mulheres negras, por sua vez, sofrem com as oportunidades desiguais e dificilmente chegam a cargos de chefia e de destaque nas empresas. Mais da metade dessas mulheres estão no mercado informal e trabalham de 50 a 100 dias por ano, sem qualquer garantia trabalhista. Embora dados do Rais (Relação Anual de Informações) demostrem que entre 2003 e 2013 o hiato salarial entre homens e mulheres reduziu, devido a criação de novos postos de trabalhos formais, as mulheres continuam ganhando em torno de 30% a menos que os homens e essa diferença aumenta ainda mais, quando se diz respeito ao salário das mulheres negras.
Entre os mais pobres da população brasileira, 23,5% são brancos e 75,6% são negros e pardos. No 1% mais rico, 81,6% são brancos e 16,2% são negros e pardos. Essa desigualdade atinge principalmente as mulheres negras do nosso país, que em sua maioria criam os filhos sozinhas e se veem reféns dos subempregos para sustentar os filhos, e ainda, são acuadas pela crescente violência.
Segundo dados do mapa da violência de 2015, o Brasil ocupa o 3º lugar, em relação a 85 países, no ranking de mortes de adolescentes. Em uma lista de 85 países, perdemos apenas para México e El Salvador. Em média 10,3 adolescentes são assassinados por dia, o que representa 55 mortes a cada 100 mil jovens, sendo a grande maioria deles negros. Morrem proporcionalmente 72% mais negros do que brancos em nosso país e muitos são vítimas de assassinatos, chacinas ou emboscadas e nunca tem a morte solucionada.
O mapa aponta que, apenas no estado do Maranhão, morrem 13 negros para cada branco. Essa é apenas uma das diversas faces da desigualdade social brasileira. Fruto de um longo passado escravocrata e das crescentes desigualdades causadas por um capitalismo selvagem e uma polícia que escolhe a cor de quem defende.
O desamparo da saúde pública também repercute diretamente na vida dessas mulheres, uma vez que racismo institucional é um fator determinante ao acesso aos serviços de saúde. A realização dos exames clínicos de mama e ginecológicos são menos frequentes para mulheres negras do que para brancas e a mortalidade materna no Brasil mantêm-se elevada. De acordo com o Ministério da Saúde ocorrem 62 mortes maternas a cada 100 mil nascimentos. Porém, muitas mulheres morrem devido a complicações ao dar à luz, durante ou após a gestação ou por sua interrupção.
A violência obstétrica é uma das grandes responsáveis pelas mortes maternas e revelam como o sexismo pode matar ou deixar graves sequelas. O aborto praticado clandestinamente e de forma insegura, também é uma das principais causas de mortalidade materna no país. Muitas mulheres, principalmente as mais pobres, morrem na tentativa ou são negligenciadas quando chegam sangrando aos hospitais.
Há ainda a violência doméstica. No Brasil 2,4 milhões de mulheres são agredidas anualmente, segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE. As mulheres negras são as maiores vítimas da violência doméstica e representam 60% das agredidas por pessoas conhecidas.
A mulher negra tem que dispor de muita energia para superar as dificuldades e o preconceito que se impõe em sua vida. Muitas são as adversidades enfrentadas comparadas as poucas oportunidades.
Para mudar essa realidade e lutar contra tudo que as afligem, a Marcha das Mulheres Negras torna-se um instrumento de mulheres de todo o Brasil. A primeira marcha ocorreu em 2011, durante o Encontro Ibero Americano do Ano dos Afrodecendentes. E este ano, a marcha ocorre no dia 18 de novembro em Brasília. Neste dia centenas de milhares de mulheres marcharão contra a opressão secular da mulher negra brasileira e exigirão do Estado brasileiro e de todos os setores da sociedade, respeito e compromisso com a promoção da equidade racial e de gênero.