Em 1991, a escritora feminista Elizabeth Lobo já alertava em “A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência” para a necessidade de o movimento sindical observar a diversidade presente nas bases e assim conseguir dar conta das demandas dos trabalhadores e trabalhadoras.
Desde então, muita coisa mudou. O conceito de sexo foi ampliado para a ideia de gênero, mas o desafio de contemplar as necessidades da classe trabalhadora segue presente e exige que organizações trabalhistas como a CUT estejam sempre em constante renovação.
Para dar conta da nova realidade de quem ocupa o mercado de trabalho, a Central promoveu nos dias 29 e 30 de setembro os últimos dias do curso de Formação Sindical para pessoas LGBTQIA+.
A iniciativa é parte do projeto Pride, implementada pela CUT através da Secretaria Nacional de políticas Sociais e Direitos Humanos e resultado da parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além de facilitar o acesso ao emprego, o programa visa compartilhar conhecimento sobre direitos e como proceder quando não são respeitados.
O curso organizado pela CUT contou dois momentos, uma formação online sobre o mundo do trabalho, desenvolvido entre a Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos e membros do Coletivo LGBTQIA+ da CUT e o Curso de Comunicação e Expressão com uma metodologia desenvolvida ao lado do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Formar para organizar a luta
Durante seis encontros de uma hora que iniciaram em 23 agosto deste ano e seguiram até 27 de setembro com 50 pessoas LGBTQIA+, em especial pessoas trans, de todo o país, os cinco monitores, lideranças sindicais que integram o coletivo LGBTQIA+ da Central, falaram sobre temas inerentes ao mercado de trabalho e à formação sindical. Mas, principalmente, ouviram as necessidades de quem habitualmente é silenciado ou silenciada.
No encerramento das atividades que ocorreram no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, a Secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos, Jandyra Uehara, fez um resgate da luta para a construção da secretaria e apontou que além de lutar pela democracia, a Central nasceu para defender a classe trabalhadora em toda sua diversidade.
De acordo com a dirigente, isso faz com que a entidade tenha de pensar estratégias diferentes daquelas adotadas quando nasceu, em 1983, e o mercado de trabalho era majoritariamente formal, com carteira assinada e não contemplava discussões amplas sobre gênero para além de masculino e feminino.
Jandyra alertou ainda que não haverá efetivamente respeito à diversidade com uma sociedade baseada numa estrutura excludente.
“Não vamos ter inclusão sem outro modelo de desenvolvimento, norteado pelo trabalho decente e de qualidade. Assim como não teremos democracia sem a participação de pretos e pretas, mulheres e pessoas LGBTQIA+ em espaços de decisão. Por isso, a CUT quer vocês conosco nas fileiras de luta’, afirmou.
Lugar de fala
Pedagogo, integrante do Coletivo LGBTQIA+ da CUT e coordenador do curso, João Macedo, ressaltou que o projeto chegou num momento muito oportuno para o mundo sindical, quando a Central discute como ampliar a representatividade e num governo de retomada de democracia.
“O objetivo desse projeto a partir do nosso olhar é criar novos entendimentos sobre o que é trabalho e dignidade e permitiu que o público pudesse ser protagonista desse processo, mas não podemos esquecer que para se falar de trabalho precisamos que essas pessoas estejam trabalhando e muitos daqueles e daquelas que estiveram conosco estão à margem desse processo de inclusão. Esse projeto é a tentativa de empoderamento dessas pessoas na perspectiva sindical”, explicou.
Durante os debates organizados ao final do curso, a ideia de que lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers e os demais gêneros devem falar por si foi um dos pontos mais destacados.
Para a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Asseio e Conservação da Baixada Santista (Sindilimpeza), integrante do Coletivo LGBTQIA+ da CUT e uma das monitoras do Pride, Paloma Santos, é fundamental que o movimento sindical abra as portas e atue de maneira inclusiva.
“É algo urgente que as organizações sindicais tomem como princípio não apenas as questões da bandeira e militância, mas também trazer as populações LGBTQIA+ de fato para dentro. Senti muito dando esse curso que precisamos de representatividade de fato, principalmente de homens e mulheres trans e das travestis”, falou.
Primeiros passos
Para organizar o curso, a CUT manteve encontros com a Organização Internacional do Trabalho desde 2022, quando participou de atividades prévias da organização. A partir do acordo com a entidade, a Central iniciou a preparação da estrutura, desde o modelo de acolhimento até a linguagem.
Assistente de projetos da OIT, Pedro Lemos da Cruz, ressalta que a preocupação da entidade é estabelecer parâmetros para que o conteúdo possa ser reproduzido por outras instituições do movimento sindical.
“Vamos sistematizar todas essas experiências do projeto para que possam ficar registradas e seja disseminado para outras instituições replicarem”, afirmou.
É um desejo celebrado por pessoas como a cabelereira, maquiadora e dançarina Felícia de Oliveira, 29, mulher trans para quem o sindicalismo não era algo presente no cotidiano. Segundo ela, a inserção no mercado de trabalho é um dos principais desafios para pessoas LGBTQIA+.
“O grande desafio é termos oportunidade. Termos capacitação, inteligência, beleza, tudo que precisamos para crescer no mundo do trabalho e na vida social. Mas vejo que muitas pessoas não nos dão oportunidade apenas por sermos trans”, critica.
Redação da CUT