“Quando uma pessoa toma uma vacina, ou precisa de um remédio de ponta para o tratamento de câncer, ela está usando o SUS. O Brasil é um país onde o povo precisa ser financiado. Não existe país sem Estado, e todas as pessoas, de todas as classes sociais, se beneficiam das políticas públicas. É preciso, antes de mais nada, enterrar a ideia de que imposto é gasto; é um dinheiro que some. Isso não existe.”
A fala contundente é de Fausto Augusto Jr, diretor técnico do Dieese, e encerrou o seminário Reforma Tributária para um Brasil Socialmente Justo, promovido pelo Sindifisco Nacional em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Instituto Justiça Fiscal (IJF).
As distorções do sistema tributário brasileiro foram os pontos centrais dos debates, que ocorreram nesta quinta-feira, 28, em São Paulo. Além de um modelo de tributação que efetivamente financie o Estado, a reforma como agenda da classe trabalhadora foi endereçada pela vice-presidenta da CUT, Juvandia Moreira. “Não começamos a discutir esse tema agora. Há um conjunto de forças populares debatendo a Reforma Tributária há muito tempo. Agora precisamos ser uma força capaz de dialogar com o governo.”
No primeiro painel, o presidente do IJF, Dão Real Pereira dos Santos, reforçou o que deve ser prioridade dentro do tema.“O que queremos fazer é um instrumento que viabilize o estado de bem estar e social e que trabalhe não no sentido oposto aos princípios constitucionais, mas no sentido da construção de uma sociedade solidária”, disse.
Já a secretária-adjunta de Finanças da CUT, Maria Faria, também presidenta do Dieese, ressaltou que a apropriação do debate da Reforma Tributária pela classe trabalhadora “significa discutir inclusão, cidadania e recursos para as políticas públicas que garantam qualidade de vida das pessoas.”
“O Dieese atua junto a entidades sindicais no diálogo com a sociedade para que as pessoas compreendam o impacto da tributação na vida de cada um. E a partir disso, podemos discutir uma reforma justa”, completou a dirigente.
O seminário teve como fio condutor as principais defesas do movimento sindical e movimentos populares, que giram em torno da progressividade tributária no país. O primeiro argumento é o de que a atual lógica de tributação sobre o consumo seja alterada para a lógica de tributação de patrimônio e renda, o que inclui taxar grandes fortunas e os super-ricos.
Ainda na abertura, o presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, também reforçou o necessário protagonismo da classe trabalhadora no debate da reforma. “Líderes sindicais patronais abriram o debate da Reforma Tributária. Isso é lamentável. Por isso, os sindicatos dos trabalhadores precisam fazer a discussão, caso contrário, permanece o quadro em o rendimento do trabalho é tributado, mas o do capital não”, disse Falcão.
Por uma reforma que financie o povo
Ainda no primeiro painel, sobre o tema da desigualdade social como consequência da tributação injusta no país, a pesquisadora do Cesit/Unicamp Marilane Teixeira afirmou que é preciso entender que a tributação, em qualquer sociedade, é fundamental para manter as políticas públicas e para manter o papel constitucional do Estado.
“Dinheiro não dá em árvore e o Banco Central não emite moeda. Portanto, para financiar políticas públicas, tem que arrecadar. O recurso tem que sair de algum lugar”, lembrou a pesquisadora.
Marilane ainda ressaltou que a reforma deve ser capaz de garantir essas políticas a fim de corrigir distorções sociais no país. “Em uma sociedade capitalista, extremamente desigual como no Brasil, a forma de mitigar as distorções é por meio de políticas públicas e o Estado tem papel fundamental.”
O papel dos movimentos populares
A linha de pensamento comum a todos os especialistas que participaram do seminário é a de que a classe trabalhadora precisa entender não só o que é o sistema tributário brasileiro atual, mas também entender o que precisa ser feito, ou qual o modelo de tributação ideal para o país.
“Essas reformas teriam sido piores se não fosse o movimento sindical ter mobilizado a sociedade. O que movimenta esse seminário é a necessidade de os movimentos populares dominarem o tema”, disse Fausto, do Dieese.
Fausto explicou ainda que o sistema atual é regressivo, complexo e pouco transparente, e que debater arrecadação e a distribuição é debater caminhos para um país justo e solidário.
Na conta da justiça social, o mais importante, segundo o técnico do Dieese, não é o número de impostos, ideia amplamente difundida no senso comum, “mas a quantidade de regimes especiais, exceções e incentivos fiscais, que contribuem para a distorção do sistema tributário brasileiro cuja carga maior recai sobre os mais pobres.”
Receita neoliberal de desigualdades
O economista e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochman, apontou, a partir da análise da situação econômica do Brasil ao longo dos anos, que o atual sistema tributário é resultado de um receituário neoliberal de desigualdade.
“O que temos de tributação é extremamente funcional ao capitalismo. Tem tido papel importante na justificativa de um país que está praticamente há quatro décadas em regime de semi-estagnação de renda per capita”, afirmou.
O economista explicou ainda que, do outro lado, essa funcionalidade está associada ao aumento de super-ricos, “A renda per capita fica estabilizada ao mesmo tempo em que aumenta o número de super-ricos”, disse.
Para ele, a Reforma Tributária deve também ser justa, aliviando a carga de impostos para os mais pobres e aumentando a carga para os mais ricos, em especial para os super-ricos, detentores de grandes fortunas “e que quase nada pagam de impostos”.
Por fim, o economista José Dari, da Unicamp, chamou atenção para a importância do trabalho como dimensão central da vida. Para Dari, a ideia de uma renda universal, por exemplo, não dá conta das funções e aspirações sociais dos indivíduos, e alertou ainda para o fato de que com as novas formas de trabalho, desemprego e precarização, “é difícil falar em impostos e formas de financiar seguridade social. Por isso, é preciso fortalecer a agenda do trabalho como um todo.”