Trabalhadores mobilizados contra a privatização de empresas públicas brasileiras já organizaram pelo menos 14 greves neste ano, em sete estados diferentes. Isso é o que aponta um levantamento produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido do Brasil de Fato.
O trabalho do Dieese registra a greve de 24 horas realizada no último dia 3 por funcionários da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e o do Metrô contra planos do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de se desfazer do controle das companhias.
Registra também mobilizações no Ceará, em Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe. Na maioria dos casos, as greves são contra projetos de governadores para venda de estatais.
Contudo, foi registrada também mobilização de petroleiros contra vendas de ativos da Petrobras em fevereiro e junho. A greve de junho ocorreu em Fortaleza, contra a venda da Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor) – privatização que foi negociada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Também foram registradas duas greves de trabalhadores da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no Recife. A CBTU é uma estatal federal que opera sistemas de transporte em quatro capitais do Nordeste. Existe uma discussão sobre a privatização do sistema de metrô da capital pernambucana, operado pela CBTU, o que motivou as paralisações.
Confira as greves:
14 de fevereiro – Metrô BH – Região Metropolitana de BH, MG
24 de março – Petrobras – Nacional
8 de maio – Trensurb – Região Metropolitana de Porto Alegre, RS
9 de maio – Servidores municipais de Governador Valadares, MG
27 de junho – Refinaria Lubnor – Fortaleza, CE
13 de julho – CBTU – Recife, PE
13 de julho – Cemig – Minas Gerais
2 de agosto – CBTU – Recife, PE
9 de agosto – Portuários – Nacional
15 de agosto – Companhia de Saneamento Deso – Sergipe
17 de agosto – Professores da rede estadual de Santa Catarina
13 de setembro – Centrais Elétricas Celesc – Santa Catarina
2 de outubro – Carris Porto-Alegrense – Porto Alegre-RS
3 de outubro – Metrô, CPTM e Sabesp – São Paulo
Fonte: Dieese
Panorama em estados
Um levantamento realizado pelo Brasil de Fato aponta que governadores de seis estados já venderam ou deram sinais claros que querem vender estatais durante este mandato: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo.
Eduardo Leite assinou em julho da venda da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan); no mesmo mês, Renato Casagrande privatizou Companhia de Gás do Espírito Santo (ES Gás); já Ratinho Júnior (PSD) vendeu a Companhia Paranaense de Energia (Copel) em setembro.
Romeu Zema (Novo) encaminhou no mês passado à Assembleia Legislativa do estado (ALMG) uma proposta de emendas à Constituição Mineira para facilitar as privatizações da privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Já Ronaldo Caiado sancionou em setembro uma lei que autoriza o governo de Goiás a vender a Companhia Celg de Participações (Celgpar).
O levantamento do Dieese indica também que trabalhadores estão mobilizados contra uma eventual privatização da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), estado governado hoje por Fábio Mitidieri (PSD). Além disso, registra mobilizações de trabalhadores de Santa Catarina, governado por Jorginho Mello (PL), contra a privatização das centrais elétricas do estado, a Celesc.
Lula, por sua vez, cancelou privatizações planejadas por seus antecessores Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Ainda em abril, ele retirou sete empresas do Programa Nacional de Desestatização (PND) e três do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), entre elas os Correios e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
No governo Lula, a Petrobras também paralisou a venda de seus ativos. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) considere inconstitucional um trecho da lei que autorizou a venda da Eletrobras e reduziu o poder de voto do governo sobre a empresa.
Contramão do mundo
Enquanto a privatização de prestadoras de serviços públicos avança em estados brasileiros, mundo afora, países caminham para reestatização desse tipo de companhia. Segundo monitoramento realizado pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI), houve 1.658 casos de “desprivatização” de serviços no mundo desde o ano 2000.
De acordo com dados tabulados pelo TNI, de 2000 a 2010, 417 casos ocorreram – média de 37 por ano. Já de 2011 a 2021, foram 1.227 casos – média de 111 por ano, alcançando um teto de 196 casos só durante 2016.
“De fato, depois da pandemia, há uma tendência de reestatização”, confirmou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Se observou que muitos países estavam ficando dependentes de outros e que algumas empresas privatizadas prestavam serviços estratégicos para a soberania.”
Ainda segundo o TNI, reestatizações de empresas de água e energia são as mais comuns no mundo. Foram 393 na área de água e saneamento e outros 383 na área de energia. Juntas, são 46% do total.
“Houve casos notórios”, acrescentou Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Houve a reestatização da empresa de energia na França [Électricité de France] e discussões sobre a reestatização de uma empresa de água e saneamento no Reino Unido [Thames Water]”.
A melhora dos serviços e a redução de custos são os motivos mais frequentes para a reestatização.
O levantamento do TNI é feito com bases também em indicações de cidadãos sobre reestatização de empresas mundo afora. Pode, portanto, não trazer um panorama completo sobre o assunto e, inclusive, omitir casos recém-anunciados.
Redação da CUT