A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em considerar constitucional a lei que permite aos bancos tomar a moradia de um mutuário que esteja inadimplente, sem consulta à Justiça, gerou críticas do secretário de Finanças da CNTSS, Sandro Alex de Oliveira Cezar. Para o dirigente, que também é presidente da CUT-Rio, é incoerente o STF permitir que bancos tomem casas de pessoas que atrasam as mensalidades por três meses, mas, no entanto, atrasa a decisão sobre mudar o índice do cálculo dos juros sobre o saldo do FGTS, que é o maior financiador de imóveis.
A entidade é amicus curae junto à Corte na ação que pede a correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por um novo índice, pois o atual está abaixo da inflação. Amicus curae é um termo em latim que significa “amigos da Corte”, que permite que uma entidade defenda o seu ponto de vista em julgamentos do Supremo, mesmo não sendo a autora da ação.
Hoje o rendimento do saldo do Fundo é corrigido pela Taxa Referencial (TR), e de 1991 a 2012 chegou a ser de menos de 1%, prejudicando os trabalhadores. A partir de 1999 a alteração no cálculo da TR fez com que deixasse de representar ou corresponder aos índices inflacionários correntes, como o INPC ou o IPCA-E. A única correção foi de 3% ao ano de juros, índice garantido pelo Fundo, independente da TR. O Supremo deve votar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 5090, ajuizada, em 2014, pelo partido Solidariedade, que contesta o uso da Taxa de Referência (TR) como o índice que corrige o saldo do FGTS.
“Se o mutuário for um participante do sistema do FGTS e tiver a sua dívida corrigida pela Caixa, ele, por outro lado, não terá o seu saldo no Fundo corrigido para que possa abater do valor do financiamento. É uma incoerência”, diz.
Os ministros esqueceram que saímos da maior catástrofe do mundo que foi a pandemia da covid. Milhares de trabalhadores perderam seus empregos, os salários foram achatados e, na hora em que mais precisam podem ficar sem um teto
Para ele, o Brasil corre o risco de passar pelo mesmo período conturbado que ocorreu nos Estados Unidos, com a crise da hipoteca. Em 2008, os norte-americanos vivenciaram uma crise econômica sem precedentes, que se alastrou pelo mundo e os bancos tomaram as casas de milhares de pessoas que não conseguiram pagar suas hipotecas – formas de financiamento em que o imóvel é dado como garantia ao banco caso o tomador não consiga pagar as dívidas.
A decisão do STF
Na prática, as instituições financeiras poderão penhorar a moradia financiada dos inadimplentes. Tratam-se de contratos com Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), com alienação fiduciária de imóvel, prevista na Lei 9.514/97. Essa lei prevê que em caso de não pagamento a instituição credora pode realizar uma execução extrajudicial e retomar o imóvel, quando o bem é usado como garantia de financiamento. O procedimento é feito por meio de um cartório e não passa pela Justiça. O STF agora validou a regra para todos os casos, extinguindo os recursos à Justiça.
O caso que levou à decisão envolveu uma disputa entre um cliente e a Caixa Econômica Federal (CEF). O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região entendeu que a execução extrajudicial de título com cláusula de alienação fiduciária com garantia não viola as normas constitucionais. Então, deveria ser alvo de apreciação do Judiciário apenas se o devedor considerar necessário.
Os devedores argumentaram que a permissão para que o credor execute o patrimônio, sem a participação do Judiciário, viola princípios como o devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição, a ampla defesa e o contraditório, representando uma forma de autotutela “repudiada pelo Estado Democrático de Direito.”
Votou pela validade da norma o relator, ministro Luiz Fux. Outros ministros seguiram Fux na íntegra: Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Contudo, Edson Fachin, seguido pela ministra Cármen Lúcia, abriu divergência. Ele argumentou que a execução extrajudicial nos contratos de mútuo não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia.
Fachin acredita que a decisão não avança na construção de uma sociedade mais justa e solidária, nem estimula soluções econômicas sustentáveis para o enfrentamento da falta de moradia digna. Ao final de seu voto, Fachin firmou o entendimento de que a legislação impugnada afronta o devido processo legal, o acesso à justiça, o juiz natural e não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia.
Imóveis alienados
O ministro Luiz Fux contextualizou a criação da Lei 9.514/97. Ele argumentou seu propósito de melhorar o sistema de financiamento da casa própria. Em sua análise, Fux explicou o funcionamento da alienação fiduciária nos contratos de mútuo e argumentou que a lei resguardou ao fiduciante o direito de recorrer ao Judiciário, caso se sinta prejudicado ou veja irregularidade no procedimento.
O relator, então, ressaltou que o procedimento é complexo e regrado, visando equilibrar a previsibilidade das consequências em caso de não cumprimento do contrato, sem violar a autonomia privada. Para o ministro, as regras se coadunam com a Constituição Federal e com as normas do Código de Processo Civil aplicáveis a trâmites judiciais que envolvem direitos reais de imóveis.
Relevância social dos imóveis
Em forma de reduzir o impacto nefasto na vida dos inadimplentes, relator apelou para a relevância econômica e social do caso. Ele destacou impactos da execução extrajudicial nos contratos de mútuo no mercado de crédito imobiliário. A alienação fiduciária permite, para Fux, avanços no mercado imobiliário. Isso, a partir do crescimento do volume de crédito e geração de empregos no setor da construção civil.
O voto de Fachin
Fachin argumentou que a decisão do STF traz consigo uma série de implicações. Não apenas para os devedores e credores, mas também para o mercado imobiliário e o debate sobre direitos fundamentais. Então, ele destaca a complexidade de encontrar um equilíbrio entre a proteção do direito à moradia e a estabilidade do mercado financeiro. A sociedade e o mercado acompanharão de perto os desdobramentos desta importante decisão judicial.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), informou ao jornal O Globo, que a alienação fiduciária está presente em cerca de 99% dos 7,8 milhões de contratos de financiamento imobiliário que estavam ativos no Brasil em agosto deste ano e, que um estudo apontava uma taxa de 1,7% de inadimplência nesses tipos de contratos.
Redação da CUT com informações da RBA