“Não terceirizaremos mais trabalho temporário no período de safra”, afirmou o presidente da Cooperativa Aurora, Renê Tonello, em entrevista concedida por e-mail e publicada na edição desta quinta-feira (23) do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, exatamente um mês após o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
A Aurora, juntamente com a Salton e a Garibaldi, foi uma das vinícolas que contrataram os serviços da empresa terceirizada Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde. Dos 207 resgatados em 22 de fevereiro, 80 trabalharam na Aurora.
As três vinícolas assinaram no último dia 9 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que estabelece uma indenização no âmbito trabalhista de R$ 7 milhões, dos quais R$ 2 milhões serão repassados aos trabalhadores resgatados, na sua quase totalidade negros e aliciados na Bahia.
Tonello está desde outubro de 2020 à frente da maior vinícola do país, que tem 1,1 mil cooperativados e faturamento de R$ 756 milhões em 2022. Ele é o primeiro dirigente da Aurora que respondeu perguntas da imprensa.
A entrevista foi publicada dois dias após a visita ao Rio Grande do Sul do ministro do Trabalho e Emprego (MTE), Luiz Marinho, que começou na segunda-feira (20) com reuniões com autoridades, sindicalistas e empresários em Bento Gonçalves e Caxias do Sul. A agenda do ministro foi a discussão de ações conjuntas para erradicar o trabalho análogo ao escravo.
Avanço
Para a presidente do Conselho Estadual de Trabalho, Emprego e Renda do Rio Grande do Sul (CETER-RS), Maria Helena de Oliveira, “é um avanço a contratação direta de trabalhadores pela Aurora para o trabalho temporário nas próximas safras da uva, mostrando que existe alternativa concreta à terceirização”.
“Já está provado que os serviços terceirizados têm sido fonte de trabalho análogo ao escravo nas diferentes safras”, disse ela que é também secretária de Formação da CUT-RS.
“Que os compromisso assumidos pela Aurora e pactuados com o MPT sirvam de exemplo para as demais vinícolas e empresas, como forma de respeitar, proteger e valorizar o trabalho decente e digno”, apontou Maria Helena.
“Falhamos com as pessoas”
“Logo que tomamos conhecimento dos fatos, rompemos qualquer vínculo com a empresa Fênix e passamos a trabalhar no restabelecimento dos direitos dos trabalhadores. Dois dias depois, assinamos um primeiro compromisso com o MPT para garantir o pagamento de direitos, incluindo as verbas rescisórias. E, posteriormente, assinamos um novo TAC, que define os parâmetros de atuação de toda a cadeia produtiva”, destacou.
Ele ressaltou a assinatura do TAC “que estabelece novos parâmetros para o trabalho no processo produtivo da uva e do vinho”, explicou.
“Que todas as falhas, por mais dolorosas que sejam, são oportunidades para refletirmos e melhorarmos. Este foi um episódio que nos entristeceu profundamente porque falhamos com as pessoas. Não foi um investimento sem retorno, não foi um produto mal aceito pelo mercado. Foram pessoas. E como uma cooperativa, nada mais somos do que pessoas, seus valores e sua enorme capacidade de trabalho”, reconheceu o dirigente da Aurora.
Após o resgate, a Aurora divulgou uma nota, alegando que não tinha conhecimento da situação desses trabalhadores. “Essa foi exatamente a falha no processo de acompanhamento da empresa terceirizada”, disse.
Segundo Tonello, não houve “um acompanhamento mais próximo da rotina dessa empresa em relação aos seus trabalhadores”. A empresa, no entanto, já havia sido autuada várias vezes por irregularidades trabalhistas.
“Nunca tivemos conhecimento ou relatos, seja de trabalhadores, seja das autoridades, sobre situações como esta. Se tivéssemos qualquer indício, obviamente, teríamos tomado as providências. Como disse antes, nada é mais triste para uma cooperativa como a Aurora do que falhar com as pessoas”, ressaltou.
“Cumprir os compromissos assumidos”
O presidente da Aurora explicou que os resgatados “prestavam apoio na área de descarga da safra de uva e, dentro das nossas instalações, recebiam tratamento igualitário, com acesso a todos os recursos necessários”. Segundo ele, “nenhuma daquelas cenas lamentáveis e revoltantes aconteceu nas instalações das vinícolas”.
Ele também frisou que “não tínhamos conhecimento a respeito do valor efetivamente repassado pela Fênix para cada um dos seus empregados”. Segundo Tonello, “agora nosso foco é cumprir com os compromissos que assumimos com a sociedade e com as autoridades no sentido de melhorar processos e incentivarmos cada vez mais uma cultura de tolerância, diversidade e cooperação”, prometeu.
“Vamos aperfeiçoar os processos e mecanismos de fiscalização, realizar campanhas de conscientização e qualificar nossos associados para que saibam exatamente o que determina o TAC em relação à contratação e gestão da mão de obra.
Tonello contou ainda que “esse treinamento junto aos produtores já está em preparação e agora, com o fim da safra, iniciaremos já no mês de abril essas orientações em cada um dos 20 núcleos, espalhados nos 11 municípios da Serra Gaúcha, que compõem o universo de associados da Cooperativa Aurora”.
“Queremos refletir sobre a valorização do trabalho e, especialmente, sobre a importância das pessoas neste processo. E tornar a colheita uma experiência positiva para todos. Esse período da safra é uma grande oportunidade para centenas de pessoas, que contam com estes recursos para sua subsistência. Muitas famílias dependem disso para sobreviver durante o ano”, explicou.
O dirigente da Aurora prometeu mudanças. “Estamos buscando agir de forma rápida para dar as respostas aos compromissos que assumimos. Humildemente admitimos a falha, rescindimos o contrato com a empresa Fênix, apoiamos as autoridades em suas investigações sobre o caso e fizemos um acordo com o MPT para restabelecer os direitos dos trabalhadores e garantir que isso nunca mais ocorra”.
“Agora é hora de nos mobilizarmos em torno da mudança daquilo que precisa ser melhorado. Revisar e fortalecer os mecanismos de fiscalização e controle, as normas e processos internos e redimensionar o real valor do trabalho e a relação das pessoas com ele. O respeito ao próximo e o trabalho digno e colaborativo, que nos tornaram a maior cooperativa vitivinícola do Brasil, certamente nos levarão a um patamar ainda mais sustentável nestes próximos anos”, concluiu a entrevista.
Da redação da CUT